COVID-19 – Alternativas jurídicas para o enfrentamento dos problemas contratuais e obrigacionais das relações de consumo
Desde que foi publicada a Portaria nº 188 no Diário Oficial da União em 04.02.2020, que decreta Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19), o Brasil enfrenta uma série de novos desafios em todos os possíveis âmbitos e esferas.
São inúmeras as implicações que a presente situação de calamidade pública gera na vida humana. No mundo jurídico a situação não é diferente. No que tange às relações de consumo, várias são as demandas para adaptação a esta nova realidade que se apresenta, bem como seus reflexos no futuro.
Sem o intuito e pretensão de esgotar os temas, apresentamos de maneira sucinta alguns assuntos que certamente estão presentes na realidade atual de qualquer cidadão ou empresa na condição de consumidor ou prestador de serviços.
DAS FLEXIBILIZAÇÕES NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
É importante trazer à tona a relação de consumo e direitos dos consumidores, mediante a atual Pandemia do COVID-19, que naturalmente já tem ocasionado a flexibilização da relação de consumo em razão dos problemas de saúde em escala global ocasionada pelo Coronavírus e que compromete de sobremaneira as relações contratuais e consumeristas.
Seja qual for o tema, ou a natureza originária da relação de consumo, a flexibilização nas condições contratuais e consumeristas pode ser definida como a capacidade de mutação e/ou adequação das obrigações existentes na relação de consumo, de maneira a adequá-las à nova realidade. Dessa forma, as obrigações mudam, mas o intuito negocial sobrevive.
Assim como outras áreas do direito, as relações de consumo também estão sendo afetadas de forma sem precedentes, já que a pandemia do COVID-19 ocasionou o fechamento de estabelecimentos empresariais e comerciais, cancelou eventos com aglomeração de pessoas, bem como prejudicou a prestação de serviços de profissionais de diversas áreas, em razão dos decretos de ordem pública determinando o isolamento social, fato esse considerado como caso fortuito ou força maior, regularmente previsto no artigo 393 do Código Civil brasileiro.
O cenário atual é de muita dúvida e desconfiança acerca de direitos, deveres e obrigações que envolvam as relações de consumo de forma geral, sobretudo aquelas atividades prejudicadas diretamente, as quais eram prestadas de maneira presencial e que, por ora, estão proibidas em razão de Decretos do poder público, tudo no intuito de se conter a disseminação do Coronavírus.
Diante disso, é inevitável o questionamento por parte do consumidor, se é devido ou não, por exemplo, a realização de determinados pagamentos e mensalidades a escolas, faculdades, clubes, academias e outros estabelecimentos de prestação de serviços, afetados diretamente com a proibição de funcionamento.
O fato é que as relações contratuais e consumeristas são reguladas por princípios que regem a vida social, o bem estar e o equilíbrio da relação jurídica contratual, os quais estão sendo colocados à tona na tentativa de regular as situações ocasionadas em razão da pandemia do COVID-19. Assim, antes de qualquer decisão ou providência sobre os contratos e serviços, é importante que as Partes tenham em mente os princípios que norteiam as relações contratuais, tais como o Princípio da colaboração, lealdade, boa-fé, razoabilidade e da proporcionalidade.
Considerando a situação de exceção e sem precedentes ocasionada pelo COVID-19, é essencial buscar conjuntamente as melhores maneiras de manter os contratos ativos, bem como a parceria comercial, seja pela adaptação dos serviços, antes prestados física e pessoalmente e que já começaram a ser prestados a distância e on line, seja pela prorrogação dos prazos para compensação futura dos períodos em que houve a suspensão dos serviço, bem como o remanejamento da prestação para datas posteriores ao término do estado de calamidade pública, caso esses não puderem ser prestados de forma alternativa a aquelas contratualmente firmadas.
O Princípio da Lealdade e o Princípio da Colaboração têm sido bastante suscitados nesses primeiros meses de estado de calamidade pública da pandemia. Isso porque, tão logo as normas proibitivas de funcionamento comercial e isolamento social tenham sido decretadas, a Parte ainda não chegou a experimentar perdas financeiras, as quais certamente ocorrerão na vigência da pandemia.
Justamente por uma questão de lealdade e colaboração, é sugerida (e não imposta) a manutenção das obrigações contratuais, seja no tocante a prestar o serviço que foi contratado, ou ainda, mais especificamente, seja para que continue a realizar determinados pagamentos, ainda que mensais, a favor da empresa Contratada, com intuito de preservação não apenas do contrato e do negócio, mas também da empresa, que poderá sofrer consequências graves, muitas das vezes irreversíveis, em razão da falta de pagamento dos serviços que eventualmente não estão sendo prestados da forma contratada, por motivos alheios a sua vontade. Por determinação de fechamento do Poder Público, esses são os casos de instituições particulares de educação em geral, faculdades de ensino superior, escolas técnicas e de idiomas, clubes, academias e demais estabelecimentos que prestam serviços de forma direta/presencial e estão impedidos de funcionarem para conter a disseminação do Coronavírus.
Embora não haja até a presente data nenhuma determinação desobrigando o consumidor de determinados pagamentos, o que inclusive poderá ensejar na negativação de seus dados em empresas especializadas na proteção de crédito, é sabido que o Código de Defesa do Consumidor é protecionista e concede ao consumidor diversas vantagens e proteções.
Da mesma forma, o Código Civil (Lei nº 10.406/2002) prevê situações que autorizam a revisão de contratos e flexibilização de cláusulas em decorrência de casos fortuitos ou de força maior, como é o caso em que estamos vivendo em razão do caos sanitário, econômico e social causado pelo COVID-19.
Por outro lado, em conformidade com a continuidade do estado de calamidade pública e dos decretos proibitivos de funcionamento comercial, que tendem a permanecer pelas próximas semanas ou até pelos próximos meses, entendemos que os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade poderão e deverão ser suscitados pelos consumidores, como forma de revisão das condições contratuais, em razão da ausência da prestação de serviço na forma contratada, sobretudo quando os serviços restarem totalmente prejudicados ante à impossibilidade de prestação dos mesmos por meios alternativos à aqueles originalmente ajustados.
Como forma de evitar rescisões contratuais e ainda minimizar os impactos econômicos, as empresas devem buscar alternativas para prestação de seus serviços, de forma a possibilitar a manutenção destes mesmo que à distância ou on line, promovendo a prorrogação e compensação do período suspenso após a normalização da situação. Dois caminhos poderão surgir:
a) Sendo possível a adaptação, valida-se a manutenção e continuidade do contrato com os clientes, gerando ainda uma previsibilidade de receitas após o período crítico de suspensão da prestação de serviços, facilitando a retomada de atividades e a preservação da saúde econômica empresarial.
b) Não sendo possível a prestação dos serviços à distância, on line ou de outra forma alternativa em razão do fechamento compulsório e temporário por ordem do Poder Público, aconselha-se que as empresas adotem posturas proativas e transparentes, ampliando a comunicação com os consumidores e a negociação com clientes para flexibilização dos contratos durante este período, mediante formalização da referida negociação, ou ainda, não havendo forma de manutenção do contrato, que seja negociado junto ao contratante um prazo para devolução dos valores pagos, bem como o parcelamento destes, evitando-se assim, o indesejado choque de caixa que comprometa a capacidade econômico-financeira empresarial.
Atento as essas questões, o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº. 948 de 8 de Abril de 2020, que em síntese dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de calamidade pública ocasionado pelo COVID-19.
Na hipótese de cancelamento em decorrência da pandemia, de reservas e eventos, incluídos shows e espetáculos, o prestador de serviços, algumas possibilidades se abrem:
a) A sociedade empresária e os artistas não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados, disponibilizando o crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos no prazo de 12 (doze) meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública, podendo ainda a empresa prestadora de serviços realizar acordo diverso com o consumidor.
b) Por outro lado, na hipótese de impossibilidade de ajuste dos serviços contratados, a Medida Provisória nº. 948 dispõe que os valores pagos pelos consumidores deverão ser restituídos, atualizados monetariamente pelo IPCA, concedendo prazo de 12 (doze) meses contados da data de encerramento do estado de calamidade pública para o efetivo reembolso ao consumidor.
A Medida Provisória aborda ainda que as relações de consumo nela regidas caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior e não ensejam danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades em razão da mudança nas condições contratadas.
Outra Medida Provisória de destaque é a nº. 925 de 18 de Março de 2020, a qual regulamenta as medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da COVID-19 e também oferece dois caminhos:
a) A Medida prevê isenções de penalidades contratuais para os consumidores que aceitarem a conversão do valor da passagem aérea em crédito, cujo prazo de validade será de 12 (doze) meses contados da data do voo contratado.
b) Para o caso de pedido de reembolso, o prazo também será de 12 (doze) meses, observadas as regras do serviço contratado.
É importante ressaltar que alguns voos continuam a operar, ainda que de modo restrito. Fica evidente que as medidas traçadas visam resguardar o direito do consumidor, bem como a manutenção e preservação dessas empresas, minimizando o impacto econômico.
Bancos e Instituições Financeiras, por liberalidade, tem dado opção aos clientes de prorrogar ou remanejar as parcelas de financiamentos que vencerem durante a vigência de 60 (sessenta) dias da atual pandemia, para o término do contrato ou outra data de comum acordo, como forma de evitar a inadimplência e a manutenção do contrato.
No tocante a serviços e atividades essenciais ao consumidor, em especial aos serviços de fornecimento de água e energia elétrica, está vigente o Decreto Federal nº. 10.282 de 20 de março de 2020 que proíbe o corte do fornecimento de água e energia elétrica pelo prazo de 90 (noventa) dias, devendo ser observado que os serviços serão regularmente prestados e cobrados, incididos multas e juros pelo inadimplemento.
O Procon de cada cidade e região tem emitido notas técnicas de diversos temas e serviços ao consumidor. Embora essas não tenham força de lei, é necessário atentar-se para alinhar com os procedimentos divulgados, para evitar medidas e decisões equivocadas, que possam causar prejuízos ao consumidor e a empresa.
Cumpre a nós destacar ainda que, por se tratar de um período de total exceção, existe a tendência de serem editadas e publicadas outras normas e medidas que visem regular a situação inerente a relação de consumo, relativizando de certa forma, o condão protecionista do Código de Defesa do Consumidor, sem que haja, no entanto, prejuízos aos consumidores, mas sim flexibilizando as relações consumeristas e evitando inclusive a busca sem precedentes de demandas judiciais dessa natureza.
No entanto, é importante estar atento, vez que dependendo da situação concreta, o Coronavírus poderá sim ser interpretado como um caso especial que obrigue às partes à revisão do negócio jurídico ou até mesmo a sua rescisão. O próprio ordenamento jurídico prevê as exceções à regra geral. São estas exceções que nos auxiliam neste momento de incerteza global.
Neste momento é imperativo que consumidores e organizações empresariais contem com profissionais bem qualificados e experimentados na área jurídica contratual e que tenham como expertise uma excelente capacidade negocial.
Franco Teixeira Advogados,
fazendo da consultoria e assessoria jurídica uma aliada do seu negócio!